A serenidade para lidar com o que vem de negativo do outro é cada vez mais rara e o “devolver na mesma moeda” vem maquiado com a sensação de “justiça feita”. A terapeuta comportamental Ramy Arany fala sobre um tema que infelizmente está sendo visto com mais normalidade do que deveria: a vingança!
DAQUIDALI: Vale a pena se vingar?
RAMY ARANY: A vingança nunca vale a pena. É preciso pensar que tudo que vem do outro se encontra na origem do outro, mas tudo que sai de nós, se encontra na nossa origem. Sendo assim, o que fazemos ou o que pensamos de bom ou de mau, está na nossa responsabilidade e de alguma forma isto irá retornar para nós, é uma lei natural. Se queremos viver em paz e atrairmos coisas boas para nós, é necessário também doarmos isto ao outro.
DD: Qual o sentimento inicial da vingança, o que o alimenta?
R.A: O despertar da vingança é a mágoa, a indignação, o sentimento de não merecer o que aconteceu, a revolta, a rejeição, a própria dor e o sofrimento. Isto se torna um pensamento repetitivo e a não aceitação conduz para o desejo e a ideia de vingança. A própria mágoa é esse alimento que dá vontade de praticar a justiça pelas próprias mãos. É preciso tranformar esta situação logo no início, não dar abertura, não permitir que estes sentimentos permaneçam. Assim, você contribui positivamente para sua própria saúde mental, psicológica e emocional. O estado de perturbação psicológica e até mental pode chegar a níveis tão altos, que um tratamento médico muitas vezes se faz necessário.
DD: Existe um jeito de se livrar deste sentimento?
R.A: Não existe uma receita para se livrar da vontade de vingança. Existe um caminho para isto que começa dentro de nós e até bem antes, no sentido de sermos ou não propensos ou tendentes a isto. É preciso se auto-conhecer e ser verdadeiro consigo mesmo. Somente a consciência é que pode agir positivamente nesta situação. Quando ela não consegue por si só se libertar do sentimento de vingança é necessária a ajuda terapêutica, pois a pessoa se encontra aprisionada no apego, na dor e na vontade de desejar ao outro o que do outro recebeu.
DD: Existe diferença entre vingança leve e vingança pesada, ou tudo é vingança?
R.A: Todas são vingança. Desejar o mau ao outro como consequência do que recebeu dele, já é se vingar, embora tenhamos que observar as dimensões da vingança. Muitas vezes ela vem somente como um pensamento de fazer justiça. Isto pode ocorrer até mesmo por um ímpeto de se proteger da dor, mas não deixa de ser um pensamento, sentimento, de vingança. Existem, porém, as dimensões mais pesadas, quando, por exemplo, uma pessoa passa a arquitetar um plano de ação para se vingar do outro, visando o olho por olho, dente por dente: “vai sofrer o que me fez sofrer!”.
DD: Existe alguma fórmula, ou mecanismo para perdoar?
R.A: A única saida é o amor para consigo mesmo, a consciência de que é preciso se amar e se autoreconhecer verdadeiramente para se colocar num patamar superior à vingança. Quem se ama e se quer bem não se “suja” com este sentimento. O amor aqui é para consigo mesmo, o desapego é por conta de si mesmo, o perdoar é por conta de si mesmo. É preciso pensar que não vale nada a pena praticar a vingança, pois o problema que está no outro passa a ser compartilhado com quem a pratica.
DD: A religião ou a fé em um ser superior ajuda a trabalhar o perdão?
R.A: Sem dúvida alguma. Uma pessoa que possui e pratica valores, crenças, pensamentos e ações voltados a algo mais essencial, espiritual ou religioso tem uma maior condição de se perdoar e perdoar o outro. O ponto mais importante, que é o verdadeiro “antídoto” contra a revolta e a vingança, é a questão dos valores essenciais e a fé em algo superior.
DD: Qual a importância do verdadeiro perdão e o que acontece quando ele não é verdadeiro?
R.A: É a própria libertação. Se libertar é deixar de existir aprisionado naquilo que mais causa a dor e o sofrimento. A vingança é uma auto-tortura, é um tipo de loucura e perdoar é de fato se amar, pensar o melhor para si mesmo. Quando não é verdadeiro, de tempo em tempo, os sentimentos de dor e de sofrimento que conduzem para a vingança reaparecem, e novamente colocam a pessoa neste ciclo de auto-tortura.
Fonte - DaquiDali